A opinião do baterista do Paralamas do
Sucesso sobre como seria o mundo hoje se Hitler tivesse vencido a guerra, a
experiência de tocar com o guitarrista do Queen em Londres, música na era da
internet e a força do discurso do Rock nos anos 80
Chamado pelo
vocalista Herbert Viana de “as baquetas mais rápidas da América Latina”, o
baterista do Paralamas do Sucesso, João Barone, é um dos instrumentistas mais
premiados do País. Ao longo dos últimos 30 anos, ele ajudou a escrever a
história de uma das bandas mais resilientes do rock nacional. Paralelamente,
fez trabalhos solos, gravou e compôs músicas com os principais artistas da MPB,
do Rock e do Pop, como Jorge Ben Jor, Zé Ramalho, Rita Lee, Ultraje a Rigor e
Titãs.
Fascinado
com as histórias do maior conflito mundial de todos os tempos, Barone já fez um
documentário sobre o assunto e lançou em 2013 seu segundo livro a respeito da
2ª Grande Guerra. Em “O Brasil e sua guerra quase desconhecida”, ele joga uma
luz sobre a participação heroica dos pracinhas brasileiros na luta contra o
nazismo de Hitler. Em passagem por Rio Verde para mais um show da turnê de 30
anos da banda no mês de junho, Barone recebeu generosamente a King no saguão do Blue Tree Hotel algumas
horas antes da apresentação. Na conversa com os editores Fernando Machado e
Thiago Pereira, ele ridicularizou comentários de que a banda tenha planos de
aposentadoria e relatou a experiência de cair novamente na estrada aos 52 anos.
Como estudioso da 2ª Grande Guerra, qual é
sua opinião acerca das teorias de que Hitler e outros nazistas da Alemanha teriam
fugido para a América do Sul?
Chega a ser
uma sátira, uma piada. O Hitler morreu mesmo. Ele estava encurralado no seu
bunker. Existem provas sérias disso. Recentemente um filme chamado “A Queda”
gerou polêmica por que teria “humanizado” o Hitler. Ele foi elevado à categoria
de anticristo, mas o que tem de mais assustador é saber que ele era um homem de
carne e osso. Ele tinha uma inteligência muito aguçada para conseguir o que
queria e levou seus planos às últimas consequências, acendendo o pavio do
Holocausto e colocando o mundo numa guerra como jamais tinha acontecido na
humanidade. Ele tem esse caráter mítico, mas na verdade esse poder foi sendo outorgado
pelas pessoas que estavam ao redor dele. Todo mundo quer um salvador da pátria
e foi isso que ele prometeu ao assumir o poder. E até hoje está todo mundo
discutindo o que existia na cabeça do Hitler. Grandes filósofos, historiadores
e meros mortais como nós aqui agora tentamos achar uma explicação acima da
razão para ele. Pra mim o mais horripilante é terem entregado esse poder da
vida e da morte para um homem. Essa é a grande lição. As outras histórias são
balelas. Tem gente vendendo livro dizendo que ele foi morar na Argentina. Um
monte de nazistas conseguiu escapar e foram julgados e condenados à revelia.
Depois que ele morreu, ficou fácil dizer que estavam cumprindo ordens. Ele
virou o grande bode expiatório de comandantes do regime. O Hitler tem isso.
Quando alguém quer vender revista e livro, bota a cara dele na capa.
Como seria o mundo hoje se Hitler tivesse
vencido a guerra?
A gente
estaria falando alemão aqui agora (risos). Hoje você vê esses movimentos de
neonazistas, muito deles adeptos do Rock e do Speed Metal, com essa pinta de
punk e de tatuado, mas o mais antagônico é que se os nazistas tivessem vencido
não teria lugar pra essa turma. O Rock não existiria. O Heavy Metal não teria
surgido. Se o mundo fosse nazista, a gente só ouviria sinfonia do Wagner. Se a
gente tivesse um mundo tão asséptico, vigiado e manipulado como eles queriam,
um mundo perfeito em que não existiria a arte degenerada, também não teríamos as
mesmas expressões humanas que elevaram a humanidade.
Do jeito que o mundo é hoje, você acha que
um dia poderá acontecer uma nova guerra mundial?
Acho que a gente vive uma nova realidade. Hoje
o que fala mais alto são os interesses das grandes corporações. O que realmente
dá lucro para a indústria bélica são os conflitos localizados. Os EUA faturam
muito com isso. Acho que não existe clima para voltar a ocorrer um conflito
generalizado.
Você acredita que as manifestações que
começaram a acontecer nas ruas podem realmente desencadear as mudanças
necessárias para o País?
O Lula fez o
brasileiro ficar muito tempo hipnotizado com essa história de que era a vez do
Brasil. Começaram a dizer que o País tinha “chegado lá”, mas continua existindo
um atraso de décadas em educação, saúde e cultura. Não adianta tapar o sol com
a peneira na economia: a inflação está aí. Eu fico feliz com os protestos.
Claro que não sou a favor dos excessos nem da violência. Realmente tem algumas
perdas e danos, mas é sensacional que, mesmo com a tão decantada ascensão
social do Brasil, a classe média comece a ter percepção do que está
acontecendo. Existe uma grande maquiagem e falta de pulso do nosso governo em
resolver os problemas essenciais do Brasil. As mudanças estão muito aquém do
necessário, tinham de ser mais profundas. O partido que está no poder comemora
10 anos no poder, fez algumas melhorias, mais ainda tem muita coisa solta.
Ainda não fizemos a revolução que outros países fizeram na educação para tirar
o país da indulgência científica. É uma violência constatar que grandes
cérebros ainda precisem sair do Brasil para botar em prática a sua capacidade.
O pessoal da esquerda, que chegou ao poder, está muito “vão ter que me
engolir.” As coisas não são assim. Calma.
É muito diferente fazer música para um
público que comprava os LPs do Paralamas
do público que faz download das músicas e assiste centenas de clipes no
Youtube?
Da mesma
forma que a produção musical foi democratizada, dificultou muito pra
acontecerem fenômenos de vendagem de discos, seja LP ou CD. Hoje em dia você
conta nos dedos de uma mão as bandas que vendem muito. Houve um desmoronamento
da estrutura das gravadoras que bancavam a trajetória dos artistas. Agora é uma
realidade totalmente nova. A contrapartida de quem toca, canta ou compõe tem
que ser, pelo menos no nosso caso, investir muito mais na performance ao vivo e
cair na estrada. Não vendemos mais disco como antigamente, mas fazemos muito
mais shows. Você não precisa de um estúdio gigantesco para gravar uma música,
você pode fazer isso em casa. Talvez os Paralamas representem um pouco dos
nomes que ficaram de uma época em que havia esse domínio das gravadoras. Ficou
a herança muito grande de exposição que ajuda muito até hoje. Se a gente fosse
uma banda nova hoje em dia, não sei se chegaria onde está hoje. Tem muita gente
boa surgindo o tempo todo. Nesse exato momento tem uma banda de garagem fazendo
algo original e criativo, mas que vai brigar com outras 20 bandas grandes pra
que alguém veja seu novo clipe no Youtube. Agora é tudo mais fugaz. Eu lembro o
quanto era estreito esse funil. Hoje não tem funil. São 300 mil bandas novas
por segundo e você não tem como separar o joio do trigo. Fazer sucesso nos
tempos atuais é um mistério.
Conte um pouco sobre a relação da banda com
a Argentina. Como isso começou e o que significa hoje?
A primeira
vez que chegamos lá para fazer um show foi em 1986. A Argentina tinha uma cena
de Rock muito forte. É uma instituição nacional deles. Eles fazem com uma
convicção como se tivessem inventado o rock. O Herbert principalmente se
aproximou muito de caras como Charly Garcia e Fito Páez. Eles acabaram trocando
muitas influências e se identificando muito. Aos poucos, convencemos as
gravadoras a lançar nossos discos lá. A Argentina representa muito a nossa
tentativa de romper fronteiras com a América espanhola. O Brasil sempre foi uma
ilha com um monte de países que falam espanhol ao redor. Tentamos quebrar um
pouco desse paradigma e a indústria fonográfica contribuiu. Com muito orgulho a
gente pode afirmar que muita gente no Brasil conhece um pouco das bandas
latinhas pelas mãos dos Paralamas. Até hoje temos um grande reconhecimento lá.
Recentemente tocamos no Dia da Independência deles, um show bem na frente da
Casa Rosada.
É verdade que a banda vai acabar depois da
turnê de 30 anos?
Isso é igual
falar que o Hitler foi morar na Argentina (risos). Absolutamente. Vamos seguir em frente e tentar conciliar
tudo. Eu fiquei três anos para escrever um livro. O Herbert acabou de lançar um
disco solo. A gente tinha juntado material pra lançar um disco, mas surgiu a
ideia de fazer uma turnê em comemoração aos 30 anos de estrada. É legal estar
nessa fase e poder colocar um show bem estruturado no palco, misturando o
repertório musical com uma produção visual interessante.
Vocês gravaram uma faixa com o Brian May
(lendário guitarrista do Queen). Foi tudo à distância ou vocês realmente foram
para o estúdio com ele?
Foi assim. A
gente estava gravando o disco Severino na Inglaterra, isso em 1994, e o Brian aceitou
um convite do Herbert pra tocar uma música bem roqueira feita em homenagem ao
Charlie Garcia, chamada “Um Vampiro Sob o Sol”. Chegando lá, pedimos pra ele
fazer um solo e também uns vocais. Quando eu vi, a gente estava gravando com
ele no estúdio. Ele deu aquela cara de Queen ao fazer os arranjos vocais. Foi
uma experiência do tipo “me belisca por que eu não acredito.”
Você acha que a grande sacada do Paralamas
quando começou a fazer sucesso foi trazer elementos do ska tão enraizados na
sonoridade musical da banda?
Não sei. Foi
mais a tentativa de entrar no bonde de alguma coisa moderna naquela época. Já
não era nem atual. O movimento two-tone na Inglaterra e toda essa estética
tinham ido embora com a geração New Wave, na virada dos anos 80. Mas é um
negócio que a gente gostava muito. Tinha esse encantamento com o que tinha
virado o ska na Inglaterra, que era uma adaptação do ska jamaicano dos anos 60.
Quando chegou lá virou uma coisa que até os punks gostavam. Acima do que seja o
ritmo ou a estética musical que a gente deu, o que importa mais é o discurso. O
Herbert teve a sacada de falar das ansiedades urbanas. Quem abriu essa porta
foi a Blitz, quando começou com “Você não soube me amar...”, quase dando uma
teatralizada pra revisitar o romance urbano e as coisas que todo mundo vivencia
em forma de música. A gente viu muita gente fabulosa que saiu na nossa frente,
como o Ultraje a Rigor e tantos outros. Mas o grande trunfo do rock nacional
nos anos 80 foi o discurso mesmo. Haja vista Cazuza e Renato (Russo). O Renato
não era um intérprete, era um cara que sabia o que estava escrevendo. O Cazuza
era mais a persona dele que
representava muito. Não é discutir o que era melhor ou pior, mas eles tinham
uma assinatura própria e conseguiram mostrar algo que realmente era diferente.