segunda-feira, 22 de julho de 2013

Entrevista: Nasi

A opinião do roqueiro sobre os novos ídolos da cena musical brasileira, militância política, drogas e o dia em que veio parar por engano na cidade e quase sofreu um acidente.
Foto: Patrícia Barcelos

Uma das figuras mais controversas do Rock Nacional, Nasi recebeu a Revista King cerca de uma hora antes de subir ao palco montado no salão do Megaplace, em Rio Verde. Com uma garrafa de Jack Daniels e um maço de Marlboro vermelho sobre a mesa, ele contou aos editores Fernando Machado e Thiago Pereira como foi a peripécia de parar por engano na cidade uma vez e destilou toda sua ira sobre os novos ídolos da música brasileira. 

King - O rock sempre esteve ligado à con- tracultura e rebeldia. Ainda existe espaço para o questionamento no mundo do politicamente correto?
Nasi - O mundo está muito corporativista. Acho que podemos até fazer uma ligação com o futebol. Cada vez menos você tem jogadores como Romário, Vampeta ou Sócrates, que metiam o dedo na ferida e falavam a verdade. Agora é “o professor está certo” ou “eu vou cumprir o meu contrato.” Assim como no futebol, existem grandes corporações por trás dos artistas. Os patrocínios ligados ao marketing precisam ditar um padrão de comportamento que possa ser agregado ao produto. É um lance comportamental mesmo. Será que artistas como Marcelo Nova, que tem letras que criticam a igreja, a sociedade e os políticos ou o Lobão teriam aceitação hoje em dia? Os artistas que fazem sucesso hoje têm um padrão até de corte de cabelo e de apresentação. Agora, eu acho que não há mal que dure para sempre. O rock sempre vai ter uma identidade com a juventude, como ainda tem, no sentido de quebrar o conformismo. Estamos numa fase que tende alguma hora a uma revolução. As pessoas vão ficando cansadas dessa coisa previsível, desse tipo de artista que fala igual jogador de futebol. A minha geração, que foi os anos 80, foi incrível. Teve muita porcaria também, mas os grandes dessa época fizeram canções que fazem sentido até hoje e são cantadas por um público de qualquer idade. Tenho certeza que os “Eu quero tchu” da vida não passam de cinco anos. E talvez a intenção seja exatamente essa.

E por que a indústria não produz esse tipo de porcaria?
Na verdade, o rock e a música popular também sempre estiveram dentro da cultura de massa. Não é com isso querer dizer que rock seja artesanal. Apenas espero que no rock ainda tenha gente com coragem de remar contra a maré. Assim como os jogadores de futebol com personalidade forte brigavam com a diretoria quando tinha que brigar. Acho que o grande público também pode ter ouvidos para o artista que fala coisas que o establishment não quer ouvir.

Você ainda é filiado ao Partido Comunista? Já pensou ou pensa em ser candidato?
Sou filiado até hoje, mas não sou atuante. Tenho grandes amigos no PCdoB como Aldo Rebelo (ministro dos Esportes). Minha família tem muitas pessoas historicamente ligadas à esquerda. Eu fui fundador do PT, tive tios que morreram na Guerrilha do Araguaia. Cresci nesse caldo e fui vizinho do diretório do PCdoB na década de 1990. Eu acreditava naquele momento que valia a pena lutar pelo socialismo. Hoje estou muito desacreditado. Quando me filiei, eu pensava realmente que a ascensão do Lula criaria uma oportunidade de lutar por bandeiras que faziam parte dos ideais da esquerda, como a educação, a distribuição de renda, a ética etc. Teve uma grande pressão do PCdoB para que eu saísse candidato a vereador uma época em São Paulo, mas não me agradava a ideia de ajudar a “puxar” votos e depois falar para os eleitores que eu iria embora. Ajudei muitas campanhas na TV e tudo mais. Eu te digo que muita gente que está lá dentro pensa como eu, mas como estão inseridos na máquina precisam rezar a cartilha. Apesar de alguns fatos recentes que aconteceram no partido, tenho o PCdoB na conta de um dos poucos ainda realmente ideológicos. 

Você pensou em seguir outra profissão antes de mergulhar na música? O que você fazia antes do Ira?
Na década de 1970 eu prestei vestibular para Agronomia, mas acabei não cursando. Era uma faculdade particular e minha família não tinha grana para bancar. E a música começou cedo na minha vida. Também entrei no curso de História da USP, mas larguei na metade. Acho que era inevitável. Eu curtia rock desde o início da minha adolescência. Acho que a música que me escolheu. Se eu não fosse cantor, eu seria empresário de cantor (risos). Ganharia muito mais dinheiro.

Você já foi chamado de Wolverine Valadão por conta das costeletas. O visual realmente é inspirado no personagem?
Eu sempre usei costeleta, mesmo antes de saber quem era o personagem. Na década de 1990, começaram a me chamar de Wolverine. Achei legal. Agora não uso tanto porque elas estão grisalhas demais. Tinha uma revista da MTV que tinha um quadro chamado “Eu queria ser” e cada um se produzia de acordo com um personagem. O Samuel Rosa foi de John Lennon. Quando chegou a minha vez eu escolhi o Wolverine. No Rock Gol o apelido pegou de vez. O Wolverine é rock n roll pra caralho. É individualista, usa jaqueta de couro, anda de motocicleta, é brigão, bebe e fuma. O politicamente correto cortou tudo isso até porque ele ficou famoso com as crianças, mas no gibi original ele era assim. Estava sempre na mesa do bar. Por ter o poder de regeneração, ele pode beber e fumar à vontade. É uma maravilha.

Em uma entrevista célebre à Playboy, você disse que em sua carreira no Ira! já tinha ficado com mais de 1.200 mulheres. Como está essa contabilidade na carreira solo?
Agora eu já estou meio cansado e aprendendo a me comportar, mas posso dizer que ninguém curtiu a vida tanto quanto eu. Sempre fui solteiro e tive grandes romances. O fato de não ser casado me deu uma vantagem muito grande. Quanto ao número, na verdade nunca contei. Eu só falei essa bravata porque sabia que com ela eu ganharia a capa da Playboy. Minha assessora me alertou que o repórter faria essa pergunta. Acho que pensaram que eu ficaria numa saia justa, mas falei na lata que parei de contar depois de ter chegado a mil. O Paulo César Caju (ex-jogador de futebol) tinha falado isso uma vez. Era um teste para a 20P da Playboy que acabou virando o que eles chamam de “entrevistão” mesmo. Eu nunca contei com quantas mulheres eu fiquei, mas fiz mais de 2 mil shows nesses mais de 30 anos de carreira. Meu índice de aproveitamento na juventude foi muito alto. Teve noite que eu fiquei com duas, no outro dia eram mais duas. Hoje em dia eu estou meio que me aposentado, deixando a farra pros mais jovens.

Como são-paulino fanático, qual é seu sentimento em relação ao Corinthians?
Tenho grandes amigos corintianos. Sou muito amigo do Casagrande, fui parceiro do Sócrates num programa de TV do Kajuru. O mais bacana no futebol é a rivalidade, mas eu nunca misturo as coisas. Já briguei por causa de futebol, mas hoje não sou mais assim. Acho péssimo esse lance de torcida organizada. Briguei com um cara do Ira! que é palmeirense e veio me falar que torcia mesmo era contra o São Paulo. Mas a relação já estava ruim e foi uma desculpa que faltava pra brigar de vez. A gozação e a rivalidade têm de ficar dentro do limite do bom humor. Secar é tão legal quanto torcer a favor. Eu tenho um programa de rádio em São Paulo chamado Kiss Classic rock. O fato de ser são-paulino me permite criticar muito o time. Meto o pau na diretoria do clube quando vejo algo errado. Quero que seja um time bem administrado e com jogadores identificados e comprometidos. O fato de ser torcedor não me impede de falar a verdade sobre o time.

É comum ouvir que as drogas estimulam o poder de criação dos artistas. Você, que teve larga experiência nesse sentido, não acha que isso é algo superestimado?
Totalmente. Posso dizer que se a droga não fosse prazerosa ninguém usaria. Ela tem esse momento em que as pessoas acham que tiram de si ideias que não teriam se estivessem caretas, mas depois ficam prisioneiras. Quando eu usava, não conseguia me concentrar para gravar durante muito tempo. Eu fazia coisas que pareciam sensacionais e no outro dia eu via que eram uma grande porcaria. Então é totalmente superestimado. Existiu uma época do rock psicodélico nos anos 60 e 70 em que, assim como os artistas, o público também estava drogado. O artista estava drogado, o público tomando LSD, então valia qualquer coisa.

Você concorda que se as drogas tivessem mesmo todo esse poder de criação a Cracolândia seria um recanto de gênios?
Exatamente (gargalhadas). Excelente comparação. Seria uma escola de música fantástica. Seria só distribuir instrumentos musicais para os caras e seria uma maravilha (risos).

Nasi, muito obrigado pela entrevista.
Espera aí. Tem uma história do Ira! em Rio Verde que eu quero contar pra vocês. É uma história trágica. Acho que foi em 2000. Marcaram um show em Rio Verde e como não tinha voo para cá, fretaram um avião particular pequeno. Cabia umas sete pessoas mais o equipamento. Saímos de Congonhas e descemos aqui. Para nossa surpresa, não tinha ninguém nos esperando. Fiquei lá no aeroporto sem entender. Lembro que tinha umas imagens de turismo ecológico lá. Daí ligamos para o nosso produtor pra saber o que estava acontecendo. Foi então que descobrimos que o show era em Rio Verde do Mato Grosso! Como era um avião particular, falaram Rio Verde e o piloto tocou pra cá. Beleza, vamos pra lá então. Quando chegamos, descobrimos que a cidade não tinha aeroporto. O piloto falou pra gente: “Moçada, segura aí que eu vou pousar num pasto.” Neguinho saiu mijado de lá. Falamos com o dono da fazenda, que deixou o avião ficar lá. Fizemos o show e voltamos. Quando o avião subiu, o piloto teve que arremeter porque o altímetro não funcionava. É uma pecinha pequenininha que fala para piloto a altura do avião. O piloto desceu e viu que alguém tinha pregado um chiclete no altímetro. Acho que alguém queria que a gente fosse os Mamonas 2.

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