segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Entrevista: Júnior Baiano


A opinião de uma lenda do Flamengo sobre frescura dos árbitros brasileiros, tesouras voadoras, brigas dentro de campo, mulheres, racismo, homossexualismo, Copa do Mundo e política.
Júnior Baiano nunca foi um craque, mas conseguiu se impor com raça dentro de campo em algumas das melhores equipes de futebol do mundo nos últimos 20 anos. Levado por Telê Santana ao profissional do Flamengo quando tinha 16 anos, estreou ao lado de Zico em uma época de ouro do futebol carioca. Em pouco tempo, o Maracanã passou a gritar em peso: O Baiano é mau. Pega um, pega geral. Nascia ali a tesoura voadora no futebol brasileiro, que se tornaria uma marca registrada do começo de carreira do zagueiro de 1,95 m. Aos 42 anos, e vivendo sua primeira experiência como técnico, Junior Baiano não renega o passado. “Na minha época, o futebol era de mais pegada mesmo. Hoje qualquer coisinha é falta”, afirmou o mais novo treinador do Santa Helena Esporte Clube, cuja missão é levar o time de volta para a primeira divisão do campeonato goiano. Em uma conversa no saguão do Lalupus Hotel com os editores Fernando Machado e Thiago Pereira, o ex-zagueiro da seleção brasileira, São Paulo, Palmeiras e com passagens pela Europa, Ásia e Estados Unidos provou que pode ser tão contundente com as palavras quanto era dentro de campo. 

King - Como é para um atleta acostumado a jogar nos maiores estádios do mundo começar a carreira de técnico em um time pequeno do interior?
Júnior Baiano - É o desafio de uma nova profissão. Antes eu era comandado, agora eu tomo a decisão. Eu não queria começar num lugar como São Paulo ou Rio, onde todo mundo me conhece e sabe dessa minha ideia de ser treinador.  Quando surgiu o convite da diretoria do Santa Helena, eu gostei do projeto e falei com outros atletas que tinham jogado aqui e só tive referências boas. Estou consciente de que não vai ter 70 mil pessoas no estádio, vai ter 2 mil ou até menos. 

Como você avalia o momento do futebol goiano em nível nacional?
O futebol goiano sempre foi forte, mas só tinha o Goiás. Hoje não. É um futebol que tem três equipes fortes no cenário nacional e pode ter mais. Só vai depender da organização dos times do interior.

Foi na sua passagem pelo Brasiliense que surgiu essa vontade de ser técnico?
A vontade já existia, mas aumentou. Eu vi tanta coisa que não deveria nunca existir no futebol que eu decidi virar treinador. Aprendi muito com o Telê Santana. Foi ele que me colocou no profissional do Flamengo, quando eu tinha 16 anos. Eu sempre tive de me adaptar e de evoluir. Agora não está sendo diferente.

Como era pra cabeça de um menino recém-chegado da Bahia de repente ouvir o Maracanã inteiro gritando “O Baiano é mau. Pega um, pega geral”? Isso incentivava as famosas “tesouras voadoras”?
Incentivava demais, claro. Quando a torcida do Flamengo gritava meu nome, eu corria mais, sentia a obrigação de fazer algo a mais. No meu primeiro jogo como profissional no Flamengo tinha 53 mil pessoas no Maracanã. Como flamenguista, era muito orgulho pra mim. A minha primeira passagem no Flamengo foi até os 23 anos, mas passei três vezes pela Gávea. Eu sempre ficava muito triste com algumas coisas que eu via acontecer no futebol do Rio e que jamais aconteceriam nos times de São Paulo, onde existe boa estrutura para trabalhar e profissionalismo. 

Você diria que, com a força que tem no futebol, o Flamengo estaria hoje à altura de um Barcelona caso tivesse mais organização?
Com toda a dimensão que o Flamengo tem no planeta, ele ainda peca no profissionalismo. Seria um Barcelona mesmo. É uma nação. Muita gente ainda não percebeu, mas o Flamengo não é diretoria nem ninguém, é a torcida. Uma torcida que foi criada na época do Zico, Junior, Andrade, Mozer...

Você jogou com todos eles. Quem foi o melhor?
Todo mundo tem um ídolo. Eu tenho três: Aldair, Leandro e Mozer. Sempre me espelhei nesses caras, mas o maior é o Zico. Eu, Marcelinho, Paulo Nunes, Djalma, Nélio, Piá, Marquinhos e uma turma inteira subimos juntos no Flamengo. Joguei com Zico, Leandro. O Mozer já tinha saído, mas joguei contra ele em um torneio na França. Joguei com o Zinho, Jorginho, Leonardo, Renato Gaúcho, o goleiro Gilmar. 

E como você conseguiu se firmar como titular de um time desses?
Na verdade, eu nunca fui de chegar forte na marcação. Só que os jogadores da minha posição eram muito clássicos, zagueiros muito técnicos. Eu vi que não teria oportunidade de ficasse na mesmice. Tive de mudar meu estilo de jogar, passei a chegar mais forte. Aí foi aquela fase que você falou, quando a torcida gritava “O Baiano é mau...”, e todo mundo falava que eu armava confusão. Eu não vou negar: teve uma fase que eu pegava geral mesmo (risos).
A fama de jogador violento fazia com que os juízes apitassem mais faltas só porque era o Junior Baiano?
Não. Acontecia de um juiz marcar errado, mas é normal. A imprensa que falava muito. Dificilmente eu era expulso, mas tinha aquela fama.

Você acha que se tivesse vencido a final contra a França essa fama de jogador temperamental teria sido apagada?
Nem eu quero que apague. Gosto das minhas fases. Isso nunca me incomodou. E a torcida gosta, tanto é que depois que eu fui pro São Paulo e voltei pro Flamengo, a o Maracanã gritou que o baiano era mau de novo. Até porque, naquela época, futebol era coisa para macho. Era mais pegado. Hoje, o futebol feminino está mais pegado do que o que está aí.

Quer dizer que virou coisa de mariquinha?
Cara, o futebol brasileiro está muito fantasioso. Os jogadores estão mais preocupados com a mídia que nem ligam mais para jogar bola. Eu falo isso porque tem muitos jogadores que eram tidos como craques no Brasil e lá fora não fizeram metade do que fazem aqui. É só no Brasil que o futebol é assim. Qualquer encostadinha o atacante já cai e falam que foi maldade. Lá fora, você pode entrar forte na bola. Não estou defendendo violência. Se o cara entrar pra machucar tem de ser expulso mesmo, mas você não pode punir só porque ele entra forte. O melhor futebol do mundo hoje é o europeu. O Brasil deveria se espelhar sempre no melhor. Os lances são mais fortes e os árbitros não marcam tanta falta quanto marcam aqui.

Na sua avaliação, o Neymar é tudo isso que a mídia anda falando? 
Aqui no Brasil, ele é. Se ele não sair do futebol brasileiro, vai jogar assim o resto da vida. A mídia exagera. O Robinho saiu daqui como se fosse o Pelé e não fez nada na Europa.

Acha que o zagueiro Junior Baiano levaria uma “lambreta” do Neymar hoje em dia?
Nem hoje nem nunca (risos). Poderia até me driblar, como é a coisa mais normal do mundo, mas “lambretinha” nem pensar. Eu não deixaria. Impossível.

Você teve muitas brigas famosas com o Edmundo. Fora de campo vocês também eram inimigos?
Com o Edmundo era diferente. É um cara que vem por trás e dá um soco na sua cara. Então, dentro de campo a gente brigava de verdade. Já tomei e já dei tapa na cara do Edmundo. Como eu e ele éramos muito jovens, muitas vezes a gente entrava naquela pilha da torcida. Fora de campo, a gente se cumprimentava educadamente, mas não saía para tomar uma cerveja. Hoje nós somos amigos. Em 1993 nós já começamos a fazer amizade. 

Você foi colega de jogadores que se tornaram grandes nomes da noite no Rio, como Renato Gaúcho e Romário. Você também caía na gandaia naquela época?
Mais ou menos. Eu sempre fui de sair pouco. De boate eu nunca gostei. Sabe como é, baiano chegando no Rio vai mais tranquilo. Sempre tomei minha cervejinha e curti meu axé com tranquilidade. Eu já saí com o Romário algumas vezes, mas nunca saí com o Renato Gaúcho. O Romário é um cara que começou a beber agora, depois que parou de jogar futebol. Ele bebia café e coca-cola e fumava o charuto dele a noite toda.

O que você sonhava em fazer quando começasse a ganhar muito dinheiro?
Meu pai também era jogador e sempre ganhou pouco, mas soube investir o dinheiro. Enquanto jogava, ele construiu a nossa casa e mais duas de aluguel para ter uma aposentadoria. Minha mãe sempre trabalhou e todo mundo arrumou emprego cedo. Nunca faltou nada. Eu fui trabalhar em uma loja de material esportivo bem novinho. Eu tive uma infância muito boa. A minha vida financeira começou a melhorar por volta de 1993. Só quis dar um pouco mais de conforto para a família. Nada excepcional.

Acha que se não tivesse seguido carreira no futebol estaria fazendo o quê hoje?
Não sei, mas a única coisa que me tira da linha é o axé. Gosto muito de música e mando bem na percussão. Eu não sei falar o que eu seria. 

Hoje em dia, a torcida pega muito no pé dos atletas gays. Tinha isso na sua época de jogador?
Eu nunca trabalhei com jogador gay. Se trabalhei, ele me enganou bem. Mas tem gay em todo lugar. No futebol é muito mais complicado o cara falar que é viado. Porque desde a época passada, é um negócio para homem, pras pessoas que vêm lá de baixo. Só que o esporte mudou. Não tenho nada contra isso. Tem jogador de vôlei assumindo que é homossexual, mas quem pega no pé é o torcedor, não são os outros atletas. Dentro do campo, é normal mandar o cara se foder, tomar no cu ou sei lá o que. Acabou o jogo, acabou. Tem que ser muito otário para ficar guardando aquela porra na cabeça o tempo todo.

É verdade que a G Magazine fez uma proposta para você posar pelado?
(Risos) Eu não estou sabendo disso. Mas se pagarem bem, a gente bota o bicho pro alto. Não teria o menor problema.
Existe racismo no futebol?
Não existe não, cara. Joguei na Alemanha e fui bem tratado pra caramba. Tem muita frescura nisso tudo. Se vem um argentino pra cá, a gente chama de gringo. Se vai um branco na Bahia, todo mundo chama de alemão. O negão o cara chama de negão. Então isso é frescura. Você sabe se o cara está chamando o outro de negão de sacanagem. Racismo existe no mundo todo, mas comigo nunca aconteceu. Se acontecesse, o cara estava ferrado. Eu não iria processar o cara. Eu mesmo me acertaria com ele. 

Você já parou pra pensar que, como ídolo de uma torcida como a do Flamengo, teria grandes chances de ser eleito vereador ou deputado?
Eu recebi um convite no ano passado para ser vereador no Rio. Não quis porque não é a minha. Sempre conquistei as coisas com o meu trabalho. De repente eu entro e acabo sendo usado. Eu penso muito na política, sei o quanto as pessoas precisam do poder público, mas tenho o meu trabalho.

Você acha que os estádios estarão prontos pra Copa do Mundo em 2014 no Brasil ou vamos passar vexame?
Vexame não passa porque o dinheiro aparece na hora certa. Um estádio que custaria 400 milhões passa a custar mais de 1 bilhão e fica tudo certo. Copa serve para encher o bolso de algumas pessoas. Quem faz Copa do Mundo não está preocupado se vai ter bons hospitais, com infraestrutura, educação, cultura, nada. O certo era pegar essa grana e investir na educação. Copa vai ser boa para turista passear e depois ir embora. 

Como enxerga esse momento da CBF pós Ricardo Teixeira?
Tanta gente criticou o Ricardo Teixeira, dizendo que ele ganhou muito dinheiro. Isso eu não sei. Se ele roubou ou não roubou, o problema é com a polícia. Eu só sei que a CBF é o que é hoje por causa dele. Ela nunca teve lucro antes, nunca fez tantos jogos. Depois dele, a seleção foi campeã mundial duas vezes e decidiu uma final. Acho que a CBF é grande mundialmente por causa dele.

Afinal, o que aconteceu com o Ronaldo na final contra a França?
Não sei falar se foi ataque epilético ou convulsão. Não sou médico, mas foi uma dessas coisas. Eu vi o cara se debatendo e babando. O grupo ficou preocupado. Todo mundo tocava a bola e olhava para ver se ele estava bem. Foi assim o jogo todo. Até ali, a seleção vinha bem e tinha todas as condições de ganhar o jogo. Queriam botar a culpa no Zagalo, inventaram um monte de mentiras. O erro não foi técnico, foi clínico. Se o médico autorizou, por que o técnico vai substituir? Foi o momento mais triste da minha carreira

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